São
Firmino tornou-se numa espécie de Jardim Zoológico a céu aberto.
Dezenas de animais selvagens passeiam-se pela aldeia, depois de um
acidente com o camião do circo. Jiboia entrou pela canalização e
agora anda a sair pelas sanitas, tigre tentou assaltar o talho e
levou um tareão do Américo e a zebra foi atropelada depois de ser
confundida com uma passadeira.
O
dono do circo Pereirini diz que o chimpanzé está habituado a
conduzir carros e camiões, mas despistou-se porque naquele dia se
enervou ao ver um gato na estrada.
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Tudo
aconteceu na quarta-feira, dia em que estava prevista a chegada a São
Firmino do Circo Pereirini, cuja visita era há muito aguardada pelos
homens da aldeia, depois da inesquecível atuação do ano passado,
quando a trapezista Senhorinha falhou um salto e aterrou de pernas
abertas na cara do presidente da Junta. Mas tudo ficou adiado devido
ao trágico acidente de viação.
“Olhe,
isto foi um azar. O Patrício, que é o nosso condutor do trailer,
parou na beira da estrada para ir comprar umas nêsperas e uns
pêssegos carecas ali em Lustosa. Mas, como a mulher da fruta o
enganou no troco, voltou para trás a reclamar e, quando deu por ela,
já o camião ia estrada fora”, explicou Zequinha Pereira, dono do
circo e domador de lontras.
Inicialmente,
ainda se constou que tinha sido o gangue do Quitó a levar a viatura
para ir vender o elefante ao matadouro, mas depois percebeu-se que,
afinal, foi um chimpanzé que – não se sabe muito bem como –
abriu a porta da jaula e saltou para o volante do camião que trazia
os animais do circo.
“Ò
senhor, o problema não foi o chimpanzé Chiquinho ir a guiar o
camião, porque o bicho já fez muito quilómetro e nunca houve
nenhum azar. O Patrício disse-me a mim que muitas vezes lhe dava o
sono a meio da viagem e passava o guiador para as mãos do Chiquinho.
Ele era capaz de ir direitinho daqui até ao Algarve e se fosse
preciso até metia gasóleo sem acordar o chófer. O problema foi mas
é o raio do gato”, disse o Zequinha.
Isto
porque o chimpanzé, ao chegar à rotunda dos capotanços – situada
à entrada de São Firmino – avistou um gato no meio da estrada e
guinou o volante, para ver se lhe acertava, uma manobra que terá
aprendido com o motorista Patrício. Perdeu o controlo do camião que
galgou a rotunda e tombou para o lado, abrindo a porta e deixando
fugir mais de 20 animais.
“Ai
Jasus, que aquilo era a fim do mundo... só bichos e mais bichos!
Mais parecia que a BBC Vida Selvagem tinha fugido pela televisão
fora. Eu estava na esplanada do Herculano e, nisto, aparece uma foca
e rouba-me o fino com Martini. Foi aí que se me subiram os nervos à
cabeça, agarrei num camelo que vinha a passar e espetei-lhe dois
morros no focinho. Só depois é que dei conta que era o meu afilhado
que é um mamão de primeira mas, coitado, não tem culpa de ter cara
de camelo”, disse o Bino da Tia Ção.
Os
animais lançaram o pânico na aldeia, provocando estragos e inúmeros
acidentes de viação, tendo o primeiro envolvida a zebra. Foi
atropelada por um bêbado numa fraguneta, que a confundiu com uma
passadeira e, como ninguém em São Firmino para nas passadeiras,
acelerou e mandou-a para o posto médico, onde foi atendida por um
pintor das obras que passou três quartos de hora a retocar-lhe as
riscas.
Pouco
depois foi a vez do tigre fazer estragos, tentando roubar meia
vitela, como explica o dono do Talho Américo: “Eu estava no
frigorífico a dar um jeito nas febras da Sónia Badalhoca e sai-me o
bicho de dentes arreganhados, já com a vitela agarrada às unhas e
digo-lhe eu assim 'Tu não me arregales os olhos'. Ele bufou-me e...
parus! Dei-lhe com quilo e meio de entremeada na boca que ele ficou
para ali esticadinho no meio do chão, que mais parecia um tapete de
arraiolos”.
Mais
sorte teve a jiboia Lili, que conseguiu abrir uma tampa de saneamento
e refugiar-se na rede de esgotos, onde permanece até hoje. Já foi
vista a sair de dentro de várias sanitas o que levou dezenas de
sãofirminenses a deixarem de ir à casa de banho, com medo de
levarem uma ferradela nas bochechas de baixo. Em vez disso vão fazer
as necessidades nas hortas, o que faz adivinhar um ano de muito boa
colheita agrícola.
©
Paulo Jorge Dias
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