segunda-feira, 2 de março de 2020

Vírus dos chineses já chegou a são Firmino

O Vítor China entrou no café a tossir e aos espirros. Levou dois cachaços para lhe passar o catarro, mas como não melhorou ficou internado no sótão do Posto Médico. Já a Lígia Cabeçuda foi à Loja dos Chineses e voltou com febre, por isso está de quarentena no quarto da pensão onde dorme um médico de Quarteira que está aqui a fazer o estágio. 


À falta de máscaras, o povo inventa de tudo um pouco, até há quem rasgue os garrafões de plástico e os meta a tapar a cara, que é para o vírus não entrar.


A aldeia de São Firmino está em estado de alerta, depois de terem surgido os dois primeiros casos da doença que está a assustar o mundo e que é conhecida entre nós como Vírus dos Chineses. Vitor China e Lígia Cabeçuda apresentaram sintomas do coronavírus e estão já internados para não contagiar mais ninguém.

"A gente estava aqui tudo na boa, a mamar finos e a ver futebol, quando aparece o Vítor com o nariz a pingar… era atchim para aqui, atchim para ali. De repente, dá semelhante espirro que nos encheu o ecrã do plasma com perdigotos e aí, o pessoal não teve perdão. Enfiei-lhe duas bem dadas no cachaço e, de castigo, ele ficou nos cuidados intensivos, que é como quem diz: fechado no sótão do Centro de Saúde, com uma garrafa de bagaço ligada às veias", explicou o enfermeiro Quim Carlos, que estava de folga mas ainda assim prestou os primeiros cuidados de saúde ao Vítor.

Apesar das pessoas de fora acharem que ele tem origem asiática, a verdade é que o Vítor China é assim chamado por ter a cara muito redonda e os olhos achinesados. Os médicos também suspeitaram que ele tivesse viajado para a Ásia, mas o povo riu-se quando ouviu isto. Não só o Vítor nunca foi à China, como não foi a mais lado nenhum. Aliás, há fortes suspeitas de que ele nunca tenha saído daqui da zona, sendo que o sítio mais longe onde o viram foi num café em Infias e só porque lhe disseram que ali as raspadinhas davam sempre prémio.

Os sãofirminenses ainda não estavam refeitos deste primeiro susto e logo foram surpreendidos por uma nova suspeita de vírus dos chineses. A Lígia, mulher do Tozé Cabeçudo, poderá estar infectada e foi, por isso, sujeita a um internamento compulsivo, como nos conta a própria, em conversa por telemóvel, mas com um paninho à frente do bocal do aparelho porque diz que até por telefone se pode apanhar o vírus:

“Ò senhor, eu estava assim a sentir muitas dores no corpo e arrepios de frio e, à cautela, fui medir a febre, mas não sabia do termómetro, o que não é de estranhar, porque o meu homem às vezes enfia-o no pacote e, depois, esquece-se de o tirar e tem alturas que anda aos 15 dias seguidos com ele lá dentro. Vai daí, olhe, fui à loja dos chineses comprar um e, quando vim de lá, estava cheia de febre. Como o senhor da loja estava numa video chamada do WhatsApp com um primo lá da terra dele que, vi eu, estava sempre a tossir, eu associei que tivesse apanhado o vírus através da Internet. Fui dali a correr ao Posto Médico e estava lá o Doutor Cara-Linda, que acho que é Zé Pedro, mas a gente chama-lhe assim. Ele mandou-me tirar a roupa e, mal me viu despida, mandou-me logo ficar 15 dias em quarentena, num quarto que ele alugou ali na Pensão”.

Entretanto, a Junta de Freguesia está já a estudar medidas que podem ser tomadas para proteger a população: “A primeira coisa que a gente pensou foi logo ir a correr chegar lume à Loja dos Chineses, porque não há dúvidas que é de lá que vem o foco de contágio. Juntamos umas pinhas e uns pauzinhos, fomos lá dentro da loja comprar umas acendalhas e ateamos o fogo, mas houve logo um desmancha-prazeres que veio dizer “ai, e tal… isto fica mesmo colado à bomba de gasolina e, ainda se arranja aí uma explosão”. E eu, pronto, lá tive de ir buscar um extintor e dar com ele nas costas do indivíduo que estava armado em esperto. Depois, olhe, como aquilo disparou sem querer e apagou o incêndio, fui-me embora, amuado”, disse o presidente da Junta, Zé Miguel.


© Paulo Jorge Dias

Sem comentários:

Enviar um comentário